Como criar a cultura do propósito

“As pessoas mais motivadas, produtivas e que inspiram os outros são as que sabem porque acordam de manhã”, diz Lara Bezerra

Para fazer o meu trabalho bem feito eu precisava ajudar as pessoas. Sempre que recebia uma promoção era porque estava contribuindo com alguém. Eu queria muito apoiar os seres humanos, a sociedade, mas não sabia como fazer isso no meu cargo de executiva.

Na minha carreira percebi que alguns profissionais que desenvolviam esse lado de buscar um bem maior, um propósito, se tornavam talentos com um potencial de crescimento exponencial. Foi quando resolvi buscar processos para implementar espiritualidade, propósito e significado nas organizações. E isso se tornou o meu propósito.

Se pensarmos na empresa como uma estrutura física, o propósito é algo intangível. Mas, e se a considerarmos um organismo vivo, composto por diversos seres humanos, com a motivação que eles têm (ou não)? Como fazer para essas pessoas compartilharem o que sabem, de forma que o coletivo alcance um objetivo em comum?

As pessoas mais motivadas, produtivas e que inspiram os outros são aquelas que sabem porque acordam de manhã.

Elas conectam o projeto de vida pessoal com o orgulho de trabalhar em determinada corporação. Ao perceber isso, eu comecei a provocar o propósito de cada um e a perguntar: “Você sabe por que acorda de manhã? E você sabe o que a empresa faz de bom para a sociedade?”.

Um bom exercício é fazer um “dia de propósito”, quando os funcionários são convidados a se perguntar: “Qual é o meu intuito de vida?”. É um processo difícil e surgem questões profundas, às quais, às vezes, a gente não sabe responder. Cabe aos gestores ajudar as pessoas a buscar esses caminhos.

Eu comecei a inserir o propósito também no processo seletivo, para alinhar o perfil dos novos funcionários. Os candidatos tinham de escrever uma carta de propósito. Ou, se não tivessem um, que contassem qual era sua busca e porque queriam trabalhar naquela empresa. Era por causa da marca? Por se tratar de uma multinacional? Pela oportunidade de carreira? Ou havia algo mais? O objetivo era falar sobre as intenções individuais e transformar a missão, a visão e os valores da companhia em algo mais concreto e de impacto para a sociedade. Foi uma maneira de materializar o propósito.

Quando o líder consegue que a motivação do indivíduo se volte para algo maior, considerando o que a companhia faz, a cultura organizacional acaba refletindo esse engajamento. Uma empresa farmacêutica salva vidas. Você pode deixar de medir os resultados pelas vendas e avaliar pelo número de pacientes tratados. É uma questão de trocar a linguagem, de perguntar qual é a motivação. Num cenário assim, o que vale mais não são os milhões de dólares, mas a vida das pessoas.

Isso não funciona em um lugar em que o líder não fez a autorreflexão nem sabe qual é o seu próprio propósito. O gestor que quer implementar uma cultura de propósito, mas todo final de mês estressa o time, pergunta qual é o resultado, de quanto foram as vendas, e faz reunião de desempenho dizendo que o funcionário não está entregando os números, não consegue levar ninguém a viver verdadeiramente seu propósito.

Eu comecei a trabalhar com o ikigai, uma ferramenta que mira em quatro aspectos: sua paixão; o que você faz bem; o que você é pago para fazer; e o que o mundo precisa. Imagina o ikigai da Kodak, por exemplo: ela tinha a paixão de colocar memória no papel e era o que fazia bem. Mas ela ficou presa ao passado, com um propósito estático. Quando alguém dentro da Kodak mostrou a digitalização das fotos, os executivos da empresa esqueceram de olhar como o mundo estava evoluindo e do que ele precisava.

Meu conselho para pessoas e organizações é exatamente esse: Pense qual é a sua paixão. Por que você está sendo pago hoje? O que você faz bem? A sua paixão é algo de que o mundo necessita? O que você poderia adaptar? Se você fizer bem o que faz, se isso for a sua paixão e o que o mundo necessita, você vai ser relevante.

A cultura corporativa é o resultado da motivação de todos que estão na empresa. A gente conhece a cultura do local quando chegamos no café e vemos se as pessoas estão reclamando do salário, do chefe ou do horário de trabalho, ou se estão comentando sobre quantos colegas ajudaram. A motivação é negativa? Ou é a de quem faz a diferença, logo precisa estar evoluindo como profissional e humano, por que a empresa também se destaca na sociedade?

A única maneira de você ter um propósito na organização é formando uma cultura onde a motivação das pessoas é por algo maior. É colocar viva a missão, a visão e os valores do negócio. É fazer com que as pessoas acordem de manhã e tenham dor por não entregar aquilo para a sociedade.

Lara Bezerra
Lara Bezerra

Foi a primeira mulher nomeada presidente executiva do grupo Bayer na América Latina, também foi CEO da Roche na Índia. Atualmente possui sua própria consultoria e é mentora da Top2You.

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