Yara Leal destaca os benefícios do Crédito do Trabalhador e os cuidados necessários para que a iniciativa seja benéfica para quem precisa
Nem sempre é fácil equilibrar o acesso ao crédito com responsabilidade e proteção financeira. Recentemente o governo federal decidiu apostar em um novo modelo de consignado para empregados formais: o Crédito do Trabalhador. A proposta, lançada em março, é ousada. Ela visa expandir as possibilidades de financiamento com juros mais baixos por meio da Carteira de Trabalho Digital e com garantia do FGTS. Parece promissor, mas, na prática, exige cautela de empregadores, trabalhadores e do direito trabalhista.
A principal novidade é que a Carteira de Trabalho Digital servirá como porta de entrada para o crédito. Isso permite que o próprio trabalhador solicite ofertas dos bancos. O modelo usa como base informações disponibilizadas no sistema, como o salário, o tempo de empresa e a margem consignável. Tudo, é claro, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A tecnologia dá autonomia ao trabalhador, que pode comparar propostas e escolher a melhor oferta direto do seu aplicativo. Depois da contratação do empréstimo, os descontos são feitos via eSocial, respeitando a margem legal de 35% do salário.
Dando enfoque jurídico à medida, há alguns pilares centrais. Em primeiro lugar, o respeito à LGPD é fundamental: o compartilhamento de dados acontece de forma consentida e é restrito ao necessário. Em segundo lugar, a forma de desconto em folha dá mais segurança jurídica para as instituições financeiras e torna viável os juros menores. Por fim, o uso do FGTS como garantia (até 10% do saldo e 100% da multa rescisória) é um elemento novo que torna a operação bastante atrativa. Mas este é um ponto de atenção, já que precisamos considerar o futuro do trabalhador – e das dívidas dele – em casos de demissão.
Pontos de atenção
Em relação aos empregadores, os departamentos de Recursos Humanos (RH) podem, e devem, tomar a dianteira para proteger os colaboradores. O Crédito do Trabalhador coloca o RH como apoio para orientá-los sobre a modalidade, seus limites legais e o impacto na remuneração líquida mensal. Quanto mais claro for para o trabalhador, mais o programa tende a funcionar como o planejado.
A intenção é reduzir o superendividamento e livrar o trabalhador das armadilhas do empréstimo caro, mas uma oferta mais acessível não é sinônimo de crédito responsável. O desafio está em conciliar o acesso com educação financeira, garantindo que a ferramenta não se torne, a longo prazo, mais uma fonte de endividamento. Como isso será feito, no entanto, não está claro.
De todo modo, empregadores e equipes de RH precisam ficar atentos à implementação da medida, que envolve integração de sistemas como o eSocial e o FGTS Digital. E ainda devem considerar outros aspectos operacionais. Em caso de demissão, por exemplo, a legislação permite o desconto das parcelas pendentes nas verbas rescisórias, exigindo planejamento da empresa e transparência do RH com os colaboradores.
O Crédito do Trabalhador ainda está em fase inicial e sua estabilização depende da adesão das instituições financeiras, da estabilidade dos sistemas envolvidos e da resposta do mercado.
Juridicamente, estamos falando de uma medida que combina inovação digital, inclusão financeira e proteção legal. Por isso mesmo merece atenção especial de quem lida com gestão de pessoas.
Mais do que uma linha de crédito, o que está em jogo é a possibilidade de repensar o papel do crédito como ferramenta de dignidade e autonomia no mundo do trabalho. Cabe agora aos profissionais de RH, gestores e operadores do direito acompanhar os desdobramentos e contribuir para que essa inovação, de fato, melhore a vida dos trabalhadores.