Parte 2 – Os cuidados para a diversidade avançar

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Christina Wocintechchat | Unsplash

Diversidade é um tema que precisa ser trabalhado constantemente nas organizações. Qualquer relaxamento no esforço pode levar a companhia de volta ao ponto inicial. Então, conheça cinco dicas práticas para realmente fazer as práticas de diversidade e inclusão avançarem na empresa. 

1. Mantenha um cuidado genuíno e constante.

“O Brasil saiu do ‘não racista’ para o antirracismo, e isso é perigoso”, afirma Ricardo Sales, fundador da consultoria Mais Diversidade. Uma mudança tão rápida indica uma falta de reflexão da sociedade. “Sem reflexão, não há aprofundamento do tema.”

Com isso, as discussões e as práticas tendem a ser de fachada, criadas apenas para gerar cliques nas redes sociais ou apaziguar as pressões de determinados grupos, o que nos leva ao próximo problema: a falta de consistência nas políticas de recursos humanos. “As empresas mudam de programa conforme o que está dando Ibope”, diz Regina Madalozzo, professora do Insper e pesquisadora sobre o impacto da diversidade de gênero na economia.

Quem se lembra da corrida das companhias para recrutar pessoas com deficiência, na primeira década dos anos 2000? Muitas, apesar do esforço de atração e seleção, nem sequer tinham prédios adaptados para cadeirantes ou deficientes visuais, por exemplo. Profissionais eram contratados para cargos inferiores à sua qualificação, apenas para que a cota fosse atingida.

Era comum ouvir: “Aqui todos são tratados sem nenhuma diferença”. Mas não distinguir, às vezes, é o mesmo que fechar os olhos para privilégios e injustiças. A partir de 2013, o foco mudou para a carreira feminina. Agora, está sobre as ações de diversidade racial. O problema é que, ao dar mais peso para um tema, o RH geralmente baixa a guarda em relação aos demais. E, em diversidade, quando você deixa de trabalhar ativamente qualquer pilar, há um retorno ao ponto de partida. Para avançar, as práticas precisam ser constantes e afirmativas.

Veja como a Sephora, seguindo essa lógica de ações constantes e afirmativas, conseguiu aumentar o número de mulheres na liderança.

 

2. Saiba que o sucesso depende da motivação

Diversos estudos já demonstraram haver uma relação entre ambiente diverso e inovação, produtividade, maior atração de talentos e menor rotatividade. Esses resultados servem de argumento para justificar o investimento em diversidade, principalmente quando é preciso convencer líderes conservadores, de pensamento cartesiano ou puramente capitalista.

Segundo a McKinsey, empresas com maior diversidade de gênero em seu quadro executivo têm 25% mais chance de ter um retorno financeiro maior do que a média do setor em que atuam. As chances saltam para 36% entre as companhias com maior diversidade racial. Para 92% dos 34 mil entrevistados para o Barômetro de Confiança 2020, da Edelman, é importante que os CEOs se pronunciem sobre questões como o impacto da automação nos empregos, a desigualdade de renda e a diversidade (apenas 42% acham que a empresa está se saindo bem no último quesito).

Contudo, a principal motivação de qualquer programa de diversidade deve ser o de construir um ambiente corporativo que reflita o conjunto da sociedade. Essa foi a linha recentemente adotada pela 3M.

Globalmente, a empresa trata da ascensão feminina no mercado de trabalho desde 2014. Em 2020, motivada pelos protestos raciais, a subsidiária brasileira começou a refletir sobre equidade étnica, e um grupo de afinidade foi criado, com 40 membros ativos. No fim do ano, aproveitando que a matriz lançou como um de seus pilares corporativos a justiça social, a equipe brasileira apresentou o caso do país em um fórum global. Com menos de 20% de declarados negros em seus quadros, a subsidiária está longe de representar a sociedade brasileira, composta em 56% por pretos e pardos. Os gringos, segundo as responsáveis pelo programa no Brasil, ficaram impactados. Agora o RH estuda a possibilidade de flexibilizar critérios do processo seletivo, como excluir oficialmente a exigência do inglês.

Veja mais detalhes do projeto da 3M na nossa Biblioteca de Cases.

 

3. Enxergue a realidade dentro e fora da empresa

Diversidade é um tema complexo. É importante ler artigos científicos, livros, reportagens e pesquisas para se aprofundar no assunto. E é fundamental conversar com as pessoas. Pessoas de cor preta passam por situações que os brancos mal podem imaginar. Você sabia, por exemplo, que os negros esperam 9 minutos a mais pelo motorista de aplicativo pelo simples fato de que alguns motoristas se recusam a aceitar a corrida de pessoas negras?

E você já reparou que os bancos de imagens, como Getty e Unsplash, ignoram as representações de diversidade? Se você buscar família, por exemplo, irá ver um pai e uma mãe com os filhos, todos brancos. Casais homoafetivos ou negros só aparecem nos resultados se você procurar explicitamente por isso. É preciso ter essa consciência para evitar que as imagens nas redes sociais ou nas campanhas corporativas só exibam o mesmo perfil de pessoas – algo que, em um processo de recrutamento e seleção, pode intimidar candidatos que representem a diversidade.

Ricardo Sales, da Mais Diversidade, reforça: o diálogo com a sociedade, o conhecimento profundo das pautas e a capacidade de gestão formam o tripé para se ter sucesso no programa de diversidade. “As empresas pecam em acessar a sociedade. Sair do escritório é sair da bolha. Não dá para ser um bom profissional de diversidade sem conhecer a periferia da cidade, sem ter acesso a outra realidade”, ele diz.

Estratégias e práticas, em geral, são escritas por profissionais que tiveram oportunidades únicas, como estudar fora. Sem perceber, eles enxergam o mundo com as lentes de sua experiência e excluem a grande maioria. No Brasil, a maior parcela da população tem um rendimento médio de 1.160 reais, enquanto a renda média dos 10% mais ricos é de 6.300 reais, segundo o Boletim de Desigualdade produzido pela PUC do Rio Grande do Sul. Na estratosfera social estão os CEOs: em termos de comparação, os que trabalham nas companhias listadas na Bolsa de São Paulo ganham em média 11,28 milhões de reais por ano.

 

4. Defina a estratégia e a meta

Um relatório de 2020 da Deloitte mostra que somente 37% das empresas haviam realizado um censo para conhecer sua força de trabalho. Outro estudo de 2021, da Mais Diversidade, indica que quase dois terços das companhias não possuíam estratégia clara de diversidade. “O que não se mede, não se gerencia”, diz a máxima dos negócios. Por isso, Regina Madalozzo, professora do Insper, recomenda que esse seja o primeiro passo: mapear o perfil da população empresarial.

Cara a cara com a realidade, muitos profissionais de RH tendem a justificar a situação culpando terceiros: “as mulheres não ficam, não sei porquê” ou “não acho pessoas qualificadas” são frases frequentemente ditas. Passada a fase de negação, é preciso identificar o problema (se forem muitos, melhor priorizar), desenhar a estratégia e acompanhar a evolução dos indicadores. “Só quando os executivos começarem a tratar a diversidade da mesma forma que pensam o lucro e os custos é que o tema irá avançar. Daí eles vão dilacerar os números para ver se estão corretos, se os ajustes necessários foram feitos, assim como quando precisam cortar o orçamento”, afirma Regina.

Em 2018, a Suzano decidiu atrelar metas de diversidade ao bônus dos funcionários: 20% das metas de todos da empresa passaram a ser afetadas pelo compromisso de atingir 30% de mulheres e negros em cargos de chefia até 2025. “Se você não olhar para o censo, não entender a meta e não criar um racional, você não faz a coisa virar”, afirma Argentino Oliveira, diretor de transformação da Suzano.

Conheça os resultados alcançados pela Suzano até agora.

Vale um alerta: o problema não é só garantir a entrada de pessoas de grupos que antes eram excluídos, mas assegurar sua permanência e evolução na carreira. Muitas companhias afirmam que alcançaram a equidade de gênero, mas, quando perguntadas sobre as taxas na alta liderança, não têm números para apresentar.

 

5. Questione as ideias estruturais

Apesar do avanço no tema, ainda existem líderes que acreditam ser injusto as mulheres terem as mesmas oportunidades de carreira que os homens, já que elas passam até sete meses afastadas pela maternidade.

Em uma análise do Relatório Anual das Informações Sociais (RAIS) de 2017, Regina Madalozzo, economista do Insper, identificou que os homens ficaram afastados, em média, 13,5 dias por ano do emprego e as mulheres, 16 dias. “A licença maternidade não impacta tão significativamente as empresas como poderíamos imaginar”, conclui o estudo.

O documento co-assinado por Regina aborda essa e outras dúvidas sobre a licença-maternidade e pode ajudar o RH a ter argumentos verdadeiros para fazer a carreira das mulheres avançar.

O estudo comprova ainda que a pauta de diversidade está cheia de falsas verdades que precisam ser desmistificadas. A mulher não está na empresa para “enfeitar o ambiente”, o PCD não serve só para cumprir cota. O negro não é subalterno. “Diversidade não é colocar baixinhos para jogar basquete”, afirma Regina.

Cortar a exigência do inglês no processo seletivo não é “baixar a barra”, selecionar candidatos de faculdades populares também não. Um profissional não precisa ser formado em uma universidade de primeira linha para ter os requisitos suficientes para realizar o trabalho, bem como a maioria não usa o inglês com frequência no começo da carreira.

Ah, importante: é errado usar a palavra “minoria” no Brasil. Ela foi importada do contexto americano, onde os brancos representam 60% da população e os outros grupos étnicos são minoria. No Brasil, a maior parte dos brasileiros é negro e mulher.