Parte 6 – Confiança acima de tudo

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Se algumas organizações possuem traços que facilitam a migração para a cultura digital, outras ainda têm um longo caminho a percorrer. É o caso da mineradora Vale, onde 70% da mão de obra é formada por caminhoneiros, maquinistas, mecânicos, entre outros, que precisam estar no campo; metade não tem e-mail. Eles estavam habituados a ter alguém do RH presente para tirar dúvidas sobre hora extra e férias, mas isso acabou. Com a convid-19, quem conseguia realizar as tarefas remotamente foi para casa, e lá ficou. “Quem era digital, virou virtual”, diz disse Beto Coutinho, líder global de transformação do RH da Vale. Transformar os profissionais analógicos em digitais é um desafio; mudar a cabeça da liderança, outro.

Os chefes da mineradora eram daqueles que acreditavam que os empregados precisavam estar debaixo do mesmo teto para produzirem. Durante um evento interno, um chegou a reconhecer que, no passado, achava home office coisa de vagabundo. Como muitas outras empresas, a Vale já possuía uma política oficial de trabalho remoto desde 2019, mas foi preciso uma crise sanitária mundial para a prática virar realidade. “O modelo só funcionou porque está todo mundo em casa, sem opção”, reconhece Beto, que prepara a transformação cultural da organização.

A empresa já decidiu que os funcionários não voltarão ao escritório. A Vale está devolvendo dez dos 15 andares do prédio-sede no Rio de Janeiro e o movimento se repetirá em outros estados. Os andares restantes serão convertidos em espaço de convivência, para os empregados irem quando precisarem e quiserem. Outros “hubs” de interação serão abertos em bairros próximos de onde os profissionais morram, reduzindo o trajeto casa-emprego.

“Vamos juntar as pessoas, não os times”, diz Beto. O mote da campanha da nova Vale é “mesmo longe, estamos perto”. “Queremos fazer uma digitalização humanizada. Podemos não estar no escritório, mas estamos o tempo todo com você.”

Se de um lado os hubs de colaboração passam sinais de uma cultura baseada em confiança, por outro, a Vale ainda terá de mexer em artefatos mais profundos para alcançar a transformação cultural. Dentro da companhia, um assunto recorrente é a quebra da barragem em Brumadinho, que matou 270 pessoas em 2019. Apesar de “diálogo aberto” ser um antigo valor corporativo, ficou claro para a liderança que os funcionários naquela unidade não relataram os problemas por medo. O pressuposto básico era que, se havia um erro, você era incompetente. A cultura corporativa está por trás do maior acidente de trabalho e de um dos maiores desastres ambientais do país.