Se os artefatos morreram com o home office, os outros elementos da cultura corporativa continuam (ou podem continuar) vivos. A cola que manterá as pessoas distantes, mas unidas, será a dos valores – na esfera mais profunda, a dos pressupostos básicos. Você se esforça porque vê valor no seu trabalho, acredita naquela companhia, se identifica com as atitudes e crenças dos gestores. “Hoje, o estado da arte da cultura corporativa está voltado aos artefatos intangíveis, à dimensão da psicanálise, à semiótica dos discursos”, diz Anderson Sant’Anna.
O mundo do trabalho caminha para o imaterial. As empresas terão de administrar o engajamento, o “brilho nos olhos”, mais do que simplesmente as entregas. Essa subjetividade não pode ser gerenciada na ponta do chicote – nem o chicote vai chegar à casa de cada um. A liderança passa a lidar com o inconsciente.
No processo de construção de uma cultura digital, a presença da alta liderança e dos fundadores ganha ainda mais importância. As companhias terão de resgatar sua história, sua imagem (“o carro que nunca quebra”), o que as fez chegar até aqui – algo profundamente conectado à vida do fundador.
Na fabricante de produtos de construção Tigre, Felipe Hansen, neto do fundador, e Otto von Sothen, CEO, ampliaram sua presença em eventos, enquanto outros líderes intensificaram as conversas individuais com membros de suas equipes. A convenção de vendas, antes exclusiva para os melhores, foi virtual e, pela primeira vez, todos puderam participar. O evento pulou de 500 para 1 mil convidados, que ouviram a mensagem direto da boca do presidente.
Com sede em Joinville, Santa Catarina, e presente em 11 países, a companhia já mantinha a prática de reuniões virtuais. Durante a pandemia, elas atingiram outro nível: além da convenção, festas de aniversário, comemoração por tempo de casa, ingresso de novos funcionários, tudo foi feito pela tela do computador.
Por causa da crise, a Tigre reduziu o salário dos funcionários, inclusive do presidente. Mesmo assim, houve uma melhora nos indicadores. “Aumentou o market share, os clientes estão mais próximos”, disse Patricia Bobbato, líder de pessoas, comunicação interna e sustentabilidade da Tigre, por videoconferência. “As pessoas se sentem mais parte da cultura Tigre.”
Após um ano, analisa Patricia, a cultura não enfraqueceu, mas o esforço para mantê-la é maior. A conversa de corredor, que de alguma forma chegava ao ouvido do RH, migrou para os grupos de WhatsApp – as quais o RH não tem acesso.